A BENÇÃO, DONA MARIA
Quem não conheceu dona Maria não conheceu a alegria de uma das benzedeiras mais experientes desse sertão. Cabocla, as curvas do rosto evocavam a ascendência indígena, das bandas do interior, a idade avançada lhe esculpia a pele, mas dona Maria esbanjava disposição. Bochechas coradas com ruge, batom, cabelo sempre preso, colares, pulseiras, saias e blusas coloridas. Era muita cor que dona Maria trazia consigo para enfeitar a vida.
Mau-olhado, olho-grosso, espinhela caída, asma, bronquite, gripe-mal-curada, alergia, torcicolo e toda a sorte de doenças físicas e espirituais, de nome científico ou popular, dona Maria tinha solução para todas elas. Os ingredientes para a cura variavam, com exceção da fé, elemento insubstituível; dona Maria tinha um bocado dela.

Muitas plantas ao derredor da casa. Algumas precipitavam-se a frente, dando vistas a um corredor estreito por onde íamos adentrando até alcançarmos o quintal, onde dona Maria quebrava uma rama de goiabeira, pinheiro, ou de qualquer outra planta adequada as necessidades do enfermo. Religião e magia.
Dona Maria se revestia de seriedade, punha a mão esquerda na testa, como quem faz sombra ao rosto e com a mão direita, segurando firme na rama, traçava o sinal da cruz na fronte do doente. Daí por diante a sua boca sussurrava orações, cantigas e saudações que não podiam ser apreendidas porque as dizia baixo demais e rápido demais aos ouvidos do benzido. Segredos dos mais velhos, do contato com o sobrenatural.
A rama logo murchava. Era sinal de que as doenças ou os sortilégios deixavam o corpo do paciente. Se por bem houvesse a necessidade de voltar lá, que voltasse, senão, um banho com quioiô ou outras ervas do mato, seriam o suficiente. Assim curou muita gente, inclusive a mim.
Recentemente ela se foi, deixando saudades. Que Deus lhe acompanhe, com todos os seus guias, orixás e anjos da guarda. Uma das benzedeiras mais alegres desse sertão. Sua benção, dona Maria.
Por Itan Cruz
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