Texto Itan Cruz / Foto: Rubenilson Nogueira |
Algumas [cacimbas e caldeirões] denotam um esforço dos filhos do sertão.
Encontram-se, orlando-as,
erguidos como represas entre as encostas,
toscos muramentos de pedra seca.
Lembram monumentos de uma sociedade obscura.
(Euclides da Cunha, Os Sertões)
Ao tomar o trem em Salvador, em 1897, e avançar pelo sertão, em um dos seus vagões, certamente o carioca Euclides da Cunha deu-se por convencido de que nunca tinha visto coisa igual. Longe dos grandes centros urbanos do litoral, onde a impessoalidade das relações se alastrava pelo grande número de seus habitantes, veio o jornalista encontrar no sertão da Bahia os laços de parentesco que, para além da comunhão do sangue, acumulavam afilhados e criados sob um mesmo teto familiar.
Àquele tempo, ao passar pela “Administração das Barrocas”, pertencente à Vila de Serrinha, Euclides pôde ver, pelas janelas do trem, poucas casas dispersas às proximidades de um tanque, de onde a miúda população ia buscar água para entornar em grandes potes de barro e para onde concorriam com o pouco gado e muares do entorno.
Hoje, os 18 anos de emancipação política ainda são pouco, se comparados com os, pelo menos, 150 anos de existência da povoação local. A República que Euclides acompanhava, cruzou o sertão e passou por Barrocas para esmagar Canudos de Antonio Conselheiro. O velho Conselheiro que liderava um ajuntamento de pessoas humildes e necessitadas passou a ser o alvo da gente graúda da capital do Brasil, na época, Rio de Janeiro.
Militares fardados, de armas em punho, lotaram os vagões do trem da estrada Bahia-São Francisco. Dizimaram o povo que, desamparado pelo Estado, procurava amenizar as difíceis situações de vida em meio ao sertão. Hoje, 2018, Canudos também é aqui.
As manobras políticas que retiraram a presidenta Dilma Rousseff da presidência, em 2016, inaugurou tempos difíceis que, apesar da falta do trem pela estrada de ferro, chegaram a nós de outros modos. Um punhado de deputados tornou-se insensível às longas viagens e rotinas pesadas de trabalho enfrentadas pelos peões de trecho de Barrocas e arredores. A modificação das condições de contratação e desempenho das atividades nos campos de obra, em favor dos patrões e contra seus empregados, foram resultados daqueles que derrubaram uma mulher legitimamente eleita por cerca de 54 milhões de votos.
O homem do campo, o mesmo que trabalha a terra sob forte calor, como àqueles que outrora Euclides pôde se compadecer, também sentirão o peso de se aposentarem mais tarde. A República que esmagou Canudos agora, em 2018, quer esmagar todos aqueles que buscam superar as adversidades de condições tão difíceis da vida.
Neste 18º aniversário, imersa num cenário de intensa mobilização política e perda de direitos, que nós, barroquenses, possamos nos levantar, como Canudos, contra as injustiças que nos atingem, que nos exploram e nos marginalizam. Que não nos esqueçamos daqueles que votaram contra os trabalhadores nestas próximas eleições. Entretanto, mesmo diante das dificuldades, como bem notou Euclides, “o sertanejo é antes de mais nada, um forte”.
Por Itan Cruz
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