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quinta-feira, 22 de fevereiro de 2018

Homenagem à memória de Dona Maria que se foi deixando o sertão mais carente de alegria, fé e magia. Por Itan Cruz

A BENÇÃO, DONA MARIA

Quem não conheceu dona Maria não conheceu a alegria de uma das benzedeiras mais experientes desse sertão. Cabocla, as curvas do rosto evocavam a ascendência indígena, das bandas do interior, a idade avançada lhe esculpia a pele, mas dona Maria esbanjava disposição. Bochechas coradas com ruge, batom, cabelo sempre preso, colares, pulseiras, saias e blusas coloridas. Era muita cor que dona Maria trazia consigo para enfeitar a vida. 

Mau-olhado, olho-grosso, espinhela caída, asma, bronquite, gripe-mal-curada, alergia, torcicolo e toda a sorte de doenças físicas e espirituais, de nome científico ou popular, dona Maria tinha solução para todas elas. Os ingredientes para a cura variavam, com exceção da fé, elemento insubstituível; dona Maria tinha um bocado dela. 

Sua casa era ao mesmo tempo consultório médico e templo religioso que não cabia dentro dos limites do catolicismo, do candomblé ou de qualquer religião indígena. Era uma mistura de tudo, uma religiosidade popular sertaneja que vai se perdendo aos poucos com a marcha dos tempos. Sãos Jorge, Expeditos, Oxumaré e Iemanjás. 

Muitas plantas ao derredor da casa. Algumas precipitavam-se a frente, dando vistas a um corredor estreito por onde íamos adentrando até alcançarmos o quintal, onde dona Maria quebrava uma rama de goiabeira, pinheiro, ou de qualquer outra planta adequada as necessidades do enfermo. Religião e magia. 

Dona Maria se revestia de seriedade, punha a mão esquerda na testa, como quem faz sombra ao rosto e com a mão direita, segurando firme na rama, traçava o sinal da cruz na fronte do doente. Daí por diante a sua boca sussurrava orações, cantigas e saudações que não podiam ser apreendidas porque as dizia baixo demais e rápido demais aos ouvidos do benzido. Segredos dos mais velhos, do contato com o sobrenatural. 

A rama logo murchava. Era sinal de que as doenças ou os sortilégios deixavam o corpo do paciente. Se por bem houvesse a necessidade de voltar lá, que voltasse, senão, um banho com quioiô ou outras ervas do mato, seriam o suficiente. Assim curou muita gente, inclusive a mim. 

Recentemente ela se foi, deixando saudades. Que Deus lhe acompanhe, com todos os seus guias, orixás e anjos da guarda. Uma das benzedeiras mais alegres desse sertão. Sua benção, dona Maria.

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