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quarta-feira, 13 de abril de 2016

SIMPLES(CIDADE) - Por Itan Cruz


Na Edição 96 (Especial do Aniversário da Cidade) Jornal Impresso, Itan Cruz escreveu de forma especial sobre a vida em Barrocas, graduando em história, o estudante conta um pouca da história do pequeno município.

A terra vermelha rasgava as ruas e as chuvas carregadas rasgavam a terra. Tudo tinha a fragrância do mato. A praça com um cruzeiro bem na frente da igreja era do santo que vivia no deserto. E não era quase um deserto as bandas de cá? As famílias sentadas no chão em meia-lua repartiam o pouco que tinham e o que tinham era partilhado com amor. Do mesmo modo que nas casas de farinha. E quando ao longe se apontava a chuva, a gente do lugar já sabia que era a hora de pôr a enxada no ombro, o chapéu na cabeça e tentar a sorte da plantação.

As casas eram muito poucas, todo mundo conhecia todo mundo e, facilmente se podia identificar os avós, pais, tias e tios de quem quer que fosse. O ranger na curva da estrada denunciava mercadoria chegando. Os carros de boi com quatro, seis, oitos parelhas de bovinos, cruzavam a caatinga seca de povoados menores e ia buscar comerciar na frente da igreja do santo que tem a imagem de criança abraçada em um carneiro. De tudo ali se via: galinhas, feijão, farinha, os utensílios de barro e as esteiras de palha. Carne de boi e também do carneiro como aquele que o santo menino segurava.

E quando caía a chuva, a diversão dos moleques era brincar ao relento. O trabalho na roça era trabalho de esperança: dali sairia a farinha, o feijão e o milho para estocar o prato e a barriga. As janelas abertas em tempo de muito calor não alimentava o medo de ninguém. O vento refrescava a casa e saía pela porta da cozinha, onde o fogão de lenha já se apagava em poucas brasas. Eram muitos filhos que, depois da lida com a terra, sentava ao redor dos pais ou dos avós pra poder ouvir as histórias de assombrações que juravam terem eles mesmos visto ou ter conhecido os personagens da narrativa.

O gibão, a perneira e o chapéu de couro eram roupas de trabalho. Tinha o homem com o burro que trazia o leite, a costureira que remendava qualquer tipo de roupa, a mulher que fazia as esteira, a benzedeira que vinha andando de longe pra curar o doente, o menino de recado e o carteiro, que raramente passava. O lampião a gás era quase luxo, os populares mesmo eram os candeeiros. E eram eles, sem a televisão, que emprestava um ar todo diferente ao som dos grilos e das corujas que cantavam a noite. 

O trilho enferrujado que rompia a vegetação cinzenta, oferecia um trem às vistas. Tantos vagões e tanto barulho. Era a linha que amarrava Barrocas ao restante do mundo. Suspensos por uma linha de ferro e estradas de barro. Os que tinham menos idade se agarrava ao bicho de ferro que serpenteava em direção do desconhecido. Levava consigo sisal, grãos e gente. A antiga estação era o árbitro do tempo daquela máquina. Enquanto ela parada, a diversão era toda da criançada.

Comadres e compadres se cumprimentavam na feira, e os pais recomendavam a mão dos filhos estendida para a bênção. As novenas e a pega de boi no mato apagava um pouco da mente a preocupação pela pouca chuva ou fazia com que o ânimo não faltasse para poder ter fé em dias melhores e menos secos. As sandálias de couro, quando tinham, era o que protegia os pés, mas também haviam aqueles que plantavam-se no chão e as rachaduras da terra enraizavam pelos calcanhares. 

Em dias de violência como o que vivemos, muito melhor seria a paz e a humildade que já tivemos. Desejo a Barrocas menos celulares, computadores e televisões e mais silêncio para ouvir o ritmo do mato que é sacudido com o vento, o grilo e a coruja que entoam poesias que não compreendemos, mas que nos falam sobre tranquilidade. Desejo mais famílias sentadas e atentas para ouvirem histórias e rirem de causos. Desejo o ranger trabalhador do carro de boi, as brincadeiras em baixo da chuva. Desejo sonhos mansos e de janelas abertas sem receio de que alguém venham-lhe tirar o sono. E, por último, desejo a esperança em dias melhores, que acompanhava cada homem e mulher nas novenas do santo do carneirinho e que hoje continua a ladear numerosas pessoas em todas as denominações religiosas e mesmo aqueles que compartilham do mesmo sentimento, mas de outra maneira. Desejo a Barrocas, a terra que se rasga com a enxurrada, que ela se rasgue de saudade do que já foi e se costure com mais amor e compaixão. Feliz aniversário.

O Barroquense, Itan Cruz é formado pelo Bacharelado Interdisciplinar em Humanidades, graduando em História (Bacharelado e Licenciatura) pela UFBA - Mestrando em História na Univercidade Federal Fluminense

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